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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

E para ti, o que é importante?

 
Ser o homem mais rico do cemitério não me interessa…
Deitar-me à noite a pensar “hoje fizemos algo maravilhoso”,
isso é que é importante para mim.
 
[Steve Jobs (1955-2011)]

No caminho somos convidados a VER!

 



Vi países de pedras e de rios

Onde nuvens escuras como aranhas

Roem o perfil roxo das montanhas

Entre poentes cor-de-rosa e frios

Transbordante passei entre as imagens

Excessivas das terras e dos céus

Mergulhando no corpo desse deus

Que se oferece, como um beijo, nas paisagens.


[Sophia de Mello Breyner Andresen | Montanha]

Ecos da I caminhada de Albergue em Albergue (III)


Um caminho, dois albergues, muitos amigos

Um albergue é uma responsabilidade. Digo, ter a chave que abre por dentro o albergue de peregrinos é uma grande responsabilidade. Ainda assim atirei-me à ideia e eis que o Albergue de peregrinos de São João da Cruz dos Caminhos, aqui, em Viana do Castelo, está de pé e de pé se mantém servindo delicadamente os peregrinos que aqui chegam buscando repouso, silêncio, descanso.
Nem todos o encontram, mas faremos tudo para que sim.
 
 
Abriu a 14 de Dezembro de 2010, dia do Patrono. Abriu como as sementes pequeninas que se semeiam na terra. E, de facto, foi assim que entreguei a chave aos primeiros hospitaleiros. A chave estava semeada, o albergue podia abrir.
Depois de aberto foi um gozo receber peregrinos. E um gozo maior ainda foi ver que foram aparecendo hospitaleiros, na verdade, hospitaleiras, que tendo feito o caminho de Santiago agora dão tempo para abrir os braços e o coração aos que chegam cansados. (É outra maneira de fazer o caminho. É um caminho interior de serviço).
O nosso albergue não é perfeito, mas é o orgulho das hospitaleiras, meu e do Santo.
Entretanto – enquanto se lavam janelas ou se espera por um peregrino – fomos perguntando-nos: «E porque não vamos para o caminho, de albergue em albergue, ver e sentir o percursos que os peregrinos hão-de fazer? Assim até os poderemos ajudar melhor, informar melhor…». Assim foi, escolheu-se o dia, botou-se para o facebook e ficámos à espera de um dia bom.
O dia chegou de encomenda: que belo dia! Chovera durante quase toda a semana e voltou a chover impiedosamente nos dias seguintes. Foi no dia 20 de Outubro, sábado. Um dia quente, luminoso, cheio de sol, de natureza, de cores outonais, setas amarelas, cheiros frescos, flores frescas, que também as há no Outono!, castanhas no chão, calçadas.
Às oito e meia em ponto daquela manhã fria começámos a caminhada. No albergue quase ninguém entrou porque não queríamos entrar, queríamos caminhar! Cada um levava o pin do albergue bem à vista. Éramos 16 caminheiros, dois homens e 14 mulheres! E está tudo dito.
Junto à Igreja do Carmo derivamos em direcção ao rio, buscando a primeira seta amarela: foi uma festa. Depois percorremos a cidade fria e deserta. Que me recorde passamos pela Sé, pela rua e pela capela de São Tiago. Subimos ao Bairro das Ursulinas e tchás, tiramos a primeira foto em conjunto. Continuamos a subir, apanhámos a cota certa e aí vamos nós até Carreço. Duvidei que lá chegássemos, mas chegámos e até chegámos mais longe. Como vamos ver. Aqui ficam as minhas impressões.
 
 
1. Cada vez me convenço mais: se queremos alguma coisa com alma, um projecto que chegue ao destino deve entregar-se a uma mulher. Se ela não for capaz arranjará quem seja. Na caminhada nós tínhamos 14, cinco comprometidas com a hospitalidade do albergue. Sobre a hospitalidade estamos bem falados, sobre a coesão do grupo, sobre o levar a coisa até ao fim está visto: chegámos e a cantar!
 
2. As hospitaleiras prometeram-nos um máximo de 25km de caminho. Mas ao que parece percorremos 37 quilómetros! GPS dixit! Não sei como, mas chegámos todos. Ao fim de 25 km regressaram a casa quatro caminheiras, mas tinham que fazer noite, e a troika não está para brincadeiras! E já muito bondosas foram elas em nos acompanhar durante tanto tempo! Aqui há gente de coragem.
 
 
3. As setas amarelas são um vício. Segui-las, buscá-las é um jogo. Nem sempre vão pelo mais óbvio. Não nos levam pelas vias mais rápidas onde se poderiam cumprir os simples 25km, não. As setas amarelas levam-nos ao encontro do musgo, das pedras velhas, dos cruzeiros, igrejas e monumentos, ao encontro das calçadas antigas, dos ribeiros cantantes, dos velhos caminhos de carros de bois, do silêncio do vento por entre pinhais. Depois levam-nos ao centro dos pequenos burgos, sem outra pretensão maior que a de ir beber um bica, se for o caso. Enfim, que as setas amarelas são um vício vê-se bem pela cara com que se fica quando por alguma razão deixamos de as ver.
 
 
4. Caminhar devagar, saborear o tempo, sentir o relógio é uma boa onda. Ninguém corre, ninguém força a corrida. Há tempo para tudo, sobretudo para perder. É uma bela ideia perder tempo no caminho. Sinceramente, gostei muito de ter perdido aquele dia. Há medida que o tempo corria eu corria para longe do écran do computador e irmanava-me com os montes e as ribeiras, os pássaros e os campos, o verde e os tons castanhos e vermelhos. Que bela fusão! Que bela ousadia a de perder tempo ao menos por um dia!
 
5. Alguém me alertou ao início que «o caminho é um confessionário!». Levei a coisa para o sério, a sério. Embora tenha pensado que era por eu ser padre. Não era. Concluí que andamos todos tão isolados que é bom ter quem nos ouça em pequenas e grandes (nas grandes também!) confidências. Concordo: o caminho é um bom confessionário. Não tenho dúvidas. É bom que haja alguém que nos ouça ao longo do caminho. Também por isso gostei de caminhada de albergue em albergue.
 
6. É boa ideia levar uma pequena máquina fotográfica. Agora há telemóveis que fazem a tarefa, mas eu aconselho a levar uma com alguma qualidade. Não dá para fotografar tudo, pois existem imensos motivos, imensas surpresas, desde as gentes à natureza, dos animais e aos edifícios. De Viana a Caminha existem coisas interessantíssimas para ver e fotografar. Quem gosta de guardar ou construir um álbum faz bem em atirar os pés ao caminho por ali. Não desvendo segredos, digo só que fazem bem em ir e fotografar.
 
 
 
7. O caminho que passa por Viana tem um nome: chama-se Caminho da Costa. Claro que nos atira para o monte, mas trepámos pouco, subimos pouco. Tirando as Ursulinas só depois em Afife é que os montes nos tiram os bofes cá para fora. Mas é pouco, quase nada. De resto, enquanto torneamos a montanha, enquanto delicadamente vamos percorrendo os segredos do seu corpo, o mar mantém-se presente. O mar verde e azul mantém-se ali vivo, forte, calmo, cheiroso. Caminhamos pelo monte e o mar caminha connosco. Vem beijar a terra e fica longe de nós, mas vai e vem como que ousando seguir-nos, acompanhar-nos, escutar-nos. Há nele uma energia que nos chega e chegando impede-nos de desistirmos. Há ali um não sei quê com o mar, que nos atira para frente…
 
8. Fiquei sensibilizado com o pormenor de trilharmos a rota dos monumentos locais. É uma marca distintiva do caminho de Santiago. Vamos para lá, mas não vamos só para comungar a natureza, o sol e a penedia. Vamos comungar também os monumentos, as igrejas, a arquitectura. Tudo espanta o peregrino de Santiago, e isto também. Gostei desse pormenor mesmo quando ele me fez caminhar mais quilómetros e contribuiu para o aumento das minhas bolhas. Se é verdade que nem só de pão vive o homem, então demos-lhe caminhos para percorrer, sol para beber, ribeiro com quem possa cantar, céu onde possa voar, monumentos que possa apreciar, escadas onde descansar.
 
 
 
9. Duas coisas neste particular me surpreenderam: os cruzeiros e os nichos. Eu sabia que os cruzeiros do Minho são famosos e sempre que posso páro neles e até rezo. E admiro-os. São testemunho da fé cristã. São sobretudo um testemunho público duma fé comunitária. Eu gosto dos cruzeiros. Não existem dois iguais. Na próxima irei mais atento e procurarei fotografá-los a todos. São lindíssimos na sua maioria e ainda bem que nem todas as urbanizações os derrubaram a todos. Alguns surgem muito juntos e alguma razão deve haver para isso. Uma paisagem com cruzeiros é digna de ser atravessada a pé. Eu hei-de voltar a essa via sacra da minha salvação. Reparei também nos nichos. O que mais me surpreendeu foi a quantidade deles que foi abandonada, desprezada, estragada. Alguns são grandes e outros são belos. Também os há pequenos. Mas na grande maioria faltam-lhes o santo ou a santa, o Cristo ou a Senhora. Grande parte deles estão sem escultura, sem pintura ou azulejo. Não creio que tenham sido todos roubados. Mas essa falha na paisagem do caminho rasgou-me a alma.
 
 
10. Comemos ao ar livre, num parque sossegado. Teria preferido comer em cima da ponte que atravessa o rio Âncora, mas parte do grupo tinha-se adiantado e só já foi caçado na estrada nacional. Carregar a comida às costas tem o seu valor! Carregar comida para que os outros comam tem ainda mais valor. Eu senti-me na obrigação de comer mais que o devido: as mochilas iriam mais leves para os últimos 15 km! É certo que repor as forças é do mais necessário que há, mas aquele sol, aquela sombra, aquela calma, aquele dia quente, a erva fresca, tudo, tudo nos convidava a comer em família um almoço de pão e água!
 
 
 
11. Há pormenores que só vê quem vai desperto e não por desporto. É como certos sons: para lá de certo limiar não há quem os oiça! Para (re)ver tais pormenores só obrigando-nos a regressar ao caminho, mas o mais certo é que se regressarmos o caminho já seja outro e nós sendo os mesmos seremos muito diferentes. Não sei se daremos por tudo, se ouviremos tudo o que desta vez não foi sentido. Não sei. Mas pormenores há que são verdadeiramente por maiores. Eis mais uma razão para um dia eu voltar ao caminho.
 
12. Mas sei por ciência certa que é um encanto ir por perto da Esmeralda e ouvi-la rezar. É uma questão de sensibilidade. Acredito que nem todos os que vão pelo caminho consigam rezar, que não estejam afeitos ou para aí virados. Mas indo por perto dos passos da Esmeralda conseguimos ouvir o coração dela cantar ao ribeiro que descai pelas fráguas, a agradecer a força da graça e a fonte do Baptismo! Sim, ela fá-lo bem, e não com estas palavras toscas, mas com jeito de mulher, de mãe, esposa e avó! Hão-de experimentar caminhar ao lado dela. E se no meio das silvas ou dos tojos aparecer em cima duma pedra alguma florzinha tenrinha, ela há-de aproximar as mãos de artista e tocando-a lembrar-se-á do salmo da vida que é tão difícil e que sai vencedora, por entre tantas surpresas e dificuldades ariscas que toda a história tem. Experimentem escutá-la da próxima vez… experimentem rezar o salmo da natureza, com a natureza: verão, é um encanto! Render-se-ão.
 
13. Creio que os albergues têm algo de lúdico. Isso pensei eu também ao longo do meu trajecto. A brincadeira, a simplicidade, o jogo também fazem parte da vida e do descanso. Não sei por que artes, lembrei-me que seria interessante por o nosso São João da Cruz e jogar uma bisca lambida com o nosso São Tiago. A ideia não agradou a quem a comuniquei. Mas, reparem, nem eu acredito que eles só rezaram em vida. Também riram e brincaram, caminharam e descansaram, encantaram-se com a natureza e pararam para descansar. Teresa, a amiga de João, dizia que um santo triste é um triste santo. Ali, no nosso albergue, um dia eles hão-de aparecer para uma biscalhada. Juntos hão-de ler salmos e rezas, e porque não, hão-de também dedicar-se a uma jogatina enquanto o sono não vier!
 
 
 
14. O albergue de Caminha é grande e com um hospitaleiro disponível, generoso e simpático. É bem maior que o nosso, com várias salas. Tem ali à beira o Rio Minho e um jardim fresco. Valeu a visita àquele albergue tão acolhedor. Pode receber imensos peregrinos e pela certa oferece-lhes uma boa possibilidade de descanso. Todo o mérito e louvor a quem o ergueu!
 
15. Depois de um descanso de uma hora e de um refresco enfiamo-nos no comboio e regressámos à civilização. É duro regressar à civilização, e mais ainda quando o regresso dura qualquer coisa como quinze minutos! Caminhámos trinta e sete distendidos quilómetros durante nove horas! Foram nove horas a fugir do stress! Nove horas esquecidas em quinze minutos que nos devolveram à realidade e nos mergulharam no pressão que nos mói e nos traga! Arre, que o que mais custou foi mesmo o regresso!
 
 
16. Tinha chegado a hora de curar as bolhas e de renovar os cuidados às demais feridas que a alma dia a dia nos reclama. Amén. O dia seguinte era domingo. Separámo-nos com beijinhos e com promessa de voltarmos ao caminho. Eu voltarei se Deus quiser e nem é preciso que seja uma etapa diferente.
 
[Frei João Costa]

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Qual é o caminho?


Não temas quando alguém se enriquece,
quando a glória da sua casa aumenta.
Pois, quando morrer, nada levará consigo;

a sua glória não descerá após ele.
Ainda que ele, enquanto vivo, se considera feliz

e os homens o louvam quando faz o bem a si mesmo,
ele irá ter com a geração de seus pais;

eles nunca mais verão a luz
Mas o homem, embora esteja em honra,
não permanece;
antes é como os animais que perecem.
[Salmo 49:16-20]

Ecos da I caminhada de Albergue em Albergue (II)




Eu gosto de exercício físico e caminhar é óptimo. Mas a verdade é que caminhar ao ar livre, em contato com a natureza, é muito mais que isso. Desde logo porque sou uma apaixonada pela fotografia e é a oportunidade de fazer fotos únicas. Aproveitar um dia solarengo para uma boa caminhada, retempera a alma e dá-nos energia para enfrentar com estoicismo as adversidades.
 
A I Caminhada de Albergue em Albergue começou por reunir um grupo de pessoas que eu não conhecia e eu adoro conhecer outras pessoas. Descobrem-se afinidades que noutro contexto não se notariam. Mas, talvez a diferença maior seja o facto de seguirmos o Caminho de São Tiago! É verdade. Já percorri outras etapas, outros caminhos, já consegui chegar a Santiago de Compostela caminhando, duas vezes, e para lá caminho com um grupo de amigos a partir de Lourdes.
Interrogo-me e interrogam-me muitas vezes porque o faço? Porque o fazem todos os que percorrem esses caminhos? Para mim tem sido, mais que o cariz religioso ou místico, uma descoberta de mim mesma. A comunhão com os que caminham ao meu lado ou a solidão do silêncio, o descobrir da natureza no seu esplendor e, acima de tudo, a descoberta do meu eu e dos meus limites.
A quem me pergunta o que tem de diferente costumo responder: faz porque só assim saberás!
Bem-haja pela iniciativa. Voltarei!
[Goreti Pinto | Braga]

domingo, 28 de outubro de 2012

Se alguém...


 
«Se alguém, em qualquer época, fizer do cristianismo
um caminho fácil e cômodo, não lhe dê ouvidos.»
 [São João da Cruz]

A pedra no caminho

 
Conta-se a lenda de um rei que viveu há muitos anos num país para lá dos mares. Era muito sábio e não poupava esforços para inculcar bons hábitos nos seus súbditos. Frequentemente, fazia coisas que pareciam estranhas e inúteis; mas tudo se destinava a ensinar o povo a ser trabalhador e prudente.
— Nada de bom pode vir a uma nação — dizia ele — cujo povo reclama e espera que outros resolvam os seus problemas. Deus concede os seus dons a quem trata dos problemas por conta própria.
Uma noite, enquanto todos dormiam, pôs uma enorme pedra na estrada que passava pelo palácio. Depois, foi esconder-se atrás de uma cerca e esperou para ver o que acontecia.
Primeiro, veio um fazendeiro com uma carroça carregada de sementes que ele levava para a moagem.
— Onde já se viu tamanho descuido? — disse ele contrariado, enquanto desviava a sua parelha e contornava a pedra. — Por que motivo esses preguiçosos não mandam retirar a pedra da estrada?
E continuou a reclamar sobre a inutilidade dos outros, sem ao menos tocar, ele próprio, na pedra.
Logo depois surgiu a cantar um jovem soldado. A longa pluma do seu quépi ondulava na brisa, e uma espada reluzente pendia-lhe à cintura. Ele pensava na extraordinária coragem que revelaria na guerra.
O soldado não viu a pedra, mas tropeçou nela e estatelou-se no chão poeirento. Ergueu-se, sacudiu a poeira da roupa, pegou na espada e enfureceu-se com os preguiçosos que insensatamente haviam deixado uma pedra enorme na estrada. Também ele se afastou então, sem pensar uma única vez que ele próprio poderia retirar a pedra.
Assim correu o dia. Todos os que por ali passavam reclamavam e resmungavam por causa da pedra colocada na estrada, mas ninguém lhe tocava.
Finalmente, ao cair da noite, a filha do moleiro passou por lá. Era muito trabalhadora e estava cansada, pois desde cedo andara ocupada no moinho. Mas disse consigo própria: "Já está quase a escurecer e de noite, alguém pode tropeçar nesta pedra e ferir-se gravemente. Vou tirá-la do caminho."
E tentou arrastar dali a pedra. Era muito pesada, mas a moça empurrou, e empurrou, e puxou, e inclinou, até que conseguiu retirá-la do lugar. Para sua surpresa, encontrou uma caixa debaixo da pedra. Ergueu a caixa. Era pesada, pois estava cheia de alguma coisa. Havia na tampa os seguintes dizeres: "Esta caixa pertence a quem retirar a pedra." Ela abriu a caixa e descobriu que estava cheia de ouro. A filha do moleiro foi para casa com o coração cheio de alegria. Quando o fazendeiro e o soldado e todos os outros ouviram o que havia ocorrido, juntaram-se em torno do local onde se encontrava a pedra. Revolveram com os pés o pó da estrada, na esperança de encontrarem um pedaço de ouro.
— Meus amigos — disse o rei — com frequência encontramos obstáculos e fardos no nosso caminho. Podemos, se assim preferirmos, reclamar alto e bom som enquanto nos desviamos deles, ou podemos retirá-los e descobrir o que eles significam. A decepção é normalmente o preço da preguiça.
Então, o sábio rei montou no seu cavalo e, dando delicadamente as boas-noites, retirou-se.
[William J. Bennett]

Ecos da I caminhada de Albergue em Albergue (I)


 
 
O objetivo desta caminhada entre os albergues de Viana do Castelo e Caminha pelo Caminho Português da Costa para Santiago era divulgar o Albergue de São João da Cruz dos Caminhos (Viana) e promover o convívio entre os voluntários e os caminheiros que quisessem aderir.
A adesão de pessoas externas ao albergue não foi muita, o tempo durante essa semana deve ter levado muita gente a desistir da ideia... O que é certo é que o dia amanheceu com um sol risonho e uma temperatura agradável para meter os pés ao Caminho.
O percurso levou-nos pelo centro da cidade passando por Areosa, Carreço, Afife, Vila Praia de Âncora e Moledo até Caminha. 37 Km poucos deles feitos em estrada, seguindo as setas amarelas e as conchas dos trilhos que nos levaram para dentro da natureza, descobrindo novos recantos com o verde do musgo nos muros, as castanhas e as folhas caídas no chão, o barulho dos pássaros e o som dos riachos quando os passamos.
Envolver-se com a natureza ajuda-nos a esquecer o dia a dia, respiramos melhor, sorrimos à borboleta que nos sobrevoa ou respondemos ao latir dos cães... Envolver-se na natureza faz-nos carregar baterias, o esforço físico ou as dores do corpo ajudam-nos a desligar o mental e apenas sentir...
Esta foi só a primeira das próximas.

[Cristina Malta]

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O caminho da vida



 
O caminho da vida
pode ser o da liberdade e da beleza,
porém nos extraviamos.
A cobiça envenou a alma dos homens...
levantou no mundo as muralhas do ódios...
e tem-nos feito marchar a passo de ganso
para a miséria e morticínios.
Criamos a época da velocidade,
mas nos sentimos enclausurados dentro dela.
A máquina, que produz abundância,
tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos;
a nossa inteligência, empedernidos e cruéis.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas,
precisamos de humanidade.
Mais do que de inteligência,
precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes,
a vida será de violência e tudo será perdido.
[Charles Chaplin]

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Deus está unido àqueles que não desistem de caminhar!



Caminho Interior Português de Santiago
Percurso de Viseu a Chaves, de 1 a 7 de Outubro 2012
 
PRIMEIRO DIA
Eu, Esmeralda, e o Rui, meu marido, casados há 37 anos iniciámos corajosamente a primeira etapa. De Viseu a Almargem o caminho é montanhoso mas bem assinalado. Ao chegar ao albergue pelas 16h,deparámo-nos com o essencial: banho e um colchão para dormir, terminadas as tarefas de um peregrino no albergue, aproveitámos para jantar o que restara do almoço. O caminho! Eis-nos no caminho! Convém reparar que o caminho nos ensina desprendimento dos bens materiais e de tudo o que é excessivo na vida. Que grande ensinamento! E logo a começar!

SEGUNDO DIA
A segunda etapa vai de Almargem a Ribolhos. Como faremos nos dias seguintes saímos às 7h da manhã: assim fugimos um pouco ao calor. E como ele se fez sentir naqueles dias! Ao pequeno-almoço devorámos os restos do dia anterior e fruta (abundante!) que apanhámos pelo caminho. Também nos cruzámos com fontes. Nelas parávamos para beber e nos refrescarmos. Recordo uma com uma capela em frente. E eis que uma senhora idosa passava por ali. Nós não nos ficámos, logo metemos conversa e ela diz-nos com orgulho que é a guardiã desta capela de S. Tiago, e que havia prometido acender todos os dias uma vela pelos caminheiros. Ficámos mais que reconfortados: pela frescura da água, pela bondade das palavras e pela luz que arde naquele lugar sagrado! Partimos e desejou-nos bom caminho! Obrigado! Interiormente prometi também rezar pela zelosa senhora.
Quando ao fim do dia chegámos ao novo albergue não tínhamos onde cozinhar. Como fazer, como cear? Bem, primeiro vamos ao banho. Depois de tomar banho estendemos o colchão onde íamos descansar… e como não havia mais que cear, novamente partilhámos o resto das sandes, a fruta que os pomares abandonados nos ofereceram e a água que trazíamos.
Dali a nada o sono bateu-nos à porta. E como é bom e consolador dormir depois de tanto caminhar!

TERCEIRO DIA
A terceira etapa levou-nos de Ribolhos a Penude. Levantamo-nos à hora habitual. Para não variar. Hoje, 3 de Outubro, é um dia especial, dia do meu aniversário! Viva! Celebro o aniversário no caminho! Que belo! Depois dum suculento pequeno-almoço de café com leite e pão – que já não tomávamos há 2 dias, porque aqui o caminho é muito montanhoso e isolado –, continuámos a caminhar! Afinal, somos peregrinos.
O dia foi duro como toda as etapas. Quando chegámos ao albergue, a hospitaleira que vive ao lado, fez de tudo para não nos faltar nada. Que agradecidos temos de ser! E depois ainda nos levou cobertores para não passarmos frio, e foi-nos contando que é viúva e vive com um filho deficiente.
Quando pela manhã lhe fomos entregar a chave do albergue, despedimo-nos com saudade. O caminho também faz amizade, favorece as confidências e quebra a solidão…

QUARTO DIA
A quarta etapa levou-nos de Penude a Bertelo. Os dias continuam outonais, mas de o calor quente, abafado e contínuo. Mas lembro-me bem que o caminho foi longo e deslumbrante!... Passámos ligeiros por Castro Daire, Lamego e Peso da Régua. O albergue é em Santa Marta de Penaguião: e como foi difícil lá chegar! Sim foi difícil, mas não dá para contar as vezes que parámos para contemplar a natureza!....O caminho enriquece-nos espiritualmente! E ajuda-nos a louvar a Deus! Como Deus é bom que nos deu o caminho onde sofremos – e o caminho é a vida!– onde contemplámos tantas maravilhas, onde enchemos a alma, onde refrescámos os olhos, onde vimos que Deus é Deus bom!...
Quando chegámos pudemos verificar que o albergue é do melhor que há! Mas não é verdade que os peregrinos merecem o melhor? Os hospitaleiros foram excelentes, cuidadosos, preocupados, esperavam-nos com todo o carinho. Que bela recompensa recebemos em troco duns míseros passos que demos…

QUINTO DIA
Naturalmente a quinta etapa levou-nos de Bertelo a Parada de Aguiar. A saída foi como manda a boa disciplina: à hora habitual. De passagem deixamos a chave no sítio combinado, no lugar onde os hospitaleiros nos presentearam com o pequeno-almoço! Pouco depois despedimo-nos com saudade, e prometemos voltar! Pudera!
Que grande aprendizagem é o caminho!......
Seguimos um longo e lindo percurso! O dia foi verdadeiramente longo e acabamos por chegar um pouco tarde. Era noite, porque a noite caíra. O cansaço e a noite impediram-nos de ver as setas amarelas. Naturalmente começámos a ficar preocupados: afinal, era noite bem noite. Pelas janelas ouvíamos telenovelas e mas nós não encontrávamos o albergue. Decidimos pedir ajuda. Lembramo-nos de pedir na primeira casa que víssemos com luz. Batemos, apresentamo-nos, imploramos, fomos humildes, mas recusaram-se a indicar-nos o albergue. Só pode ter sido por medo, pois não acreditámos que possa ter existido maldade. De regresso ao cansaço do caminho andámos muito, andamos largamente. Depois de andarmos bastante batemos noutra porta. Desta vez uma jovem veio assustada à janela. A mãe não queria conversas e desautorizou-a. Mas ela, misericordiosa e sensível subiu connosco indicando-nos onde ficava o albergue dos peregrinos de Santiago. (Mas o pai veio atrás, ligeiramente atrás, mudo e de cara fechada, pronto para o que desse e viesse!) Chegámos! Por fim, chegámos! O hospitaleiro mora quase ao lado, pelo que fomos bater à porta. Quando nos viram, quase chorando, vieram logo abrir a porta do albergue! Que acolhimento, que calor! E veio também a mulher e a filha do hospitaleiro trazendo um saco de alimentos para o jantar. Agradecemos, claro está, e demos boa noite! E rezámos, por nós e por eles.
Depois do banho, enquanto preparávamos o jantar reflectimos: se calhar, pensámos, não merecemos tanta maravilha, tanta dádiva que o caminho nos oferece!....

SEXTO DIA
A sexta etapa levou-nos de Parada de Aguiar a Vidago. O calor continua imenso, mas a água fresca da fonte refresca, sacia e dá-nos força para continuar. Com é bela a água!
O albergue fica situado nos Bombeiros de Vidago. Quando chegámos o bombeiro que nos recebeu foi muito acolhedor. O bombeiro tem um gato e foi o bombeiro e o gato que nos abriram o albergue. Quem o gato fez as honras da casa! O albergue tem o essencial: banho, e cama para descansar. Depois do ritual do peregrino, jantámos. Jantámos o que tínhamos trazido.
Como eu tinha contactado previamente a Associação dos Caminheiros de Chaves para saber o horário do autocarro para Viana, o presidente da Associação logo se ofereceu para ir ter connosco ao albergue. Simpático, levou-nos o horário e conversamos sobre o caminho! Ficámos a conhecer uma pessoa muito solidária!
Despedimo-nos, até um dia, e bom caminho!

SÉTIMO DIA
Na sétima etapa fomos de Vidago a Chaves. Saímos á hora habitual, tomámos o pequeno-almoço, e começámos o percurso. Comparado com os anteriores este é muito pequeno, por isso chegámos a Chaves às 11h da manhã. Ficámos por ali, almoçámos calmamente e apanhámos o autocarro das 14.30h. Estávamos de volta a casa!
Sim, estávamos de regresso, mas a caminhada contínua!... Por que Deus está unido àqueles que não desistem de caminhar!
[Esmeralda Balinha] 

A vida [é um caminho]


É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo "Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo donde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia...
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, ó meu Amor, se é isto a Vida!...
[Florbela Espanca]

sábado, 20 de outubro de 2012

UM DIA HEI-DE VOAR.



Já vivi o tempo suficiente para perceber
que não nascem asas aos humanos.
Mas ainda não sei por que nos não nascem asas!
Também é certo que nenhuma ave me explicou ainda
o que são dores de asas
e como se defendem das correntes de ar.
Por enquanto, ainda não me explicaram.
Mas o que são dores de caminhar eu sei.
Eu sei o que custa vencer uma colina, beber um monte,
conquistar um horizonte.
Eu sei o prazer de caminhar juntos,
de juntos ouvir os ribeiros, os pássaros, as pedras, o vento.
E sei como é bom caminhar só,
com companheiros ao lado e à frente,
ouvindo passos, sentindo a presença de quem, em silêncio,
faz o mesmo esforço que eu para vencer-se.
E sei a alegria do fim, do cansaço, da vitória do sono.
E para isso não preciso de asas.
Ou melhor, para tudo isso é melhor não ter asas.
Algures no caminho hei-de surpreender-me.  Como um menino.
À minha frente há-de saltar uma pedra com história,
um seixo virgem, um ramo que amparou frutos,
um raio fresco de luz.
Ainda que feitos para voar alto como as águias,
tudo isso se vê diferente do chão.
Aliás, eu prefiro a comunhão do chão.
Acredito. Um dia hei-de voar.
Por agora, sentirei as dores do caminho.
[Frei João Costa]

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A Crónica da peregrinação da Esmeralda e do Rui, versão dois.



Iniciámos o caminho no dia 1 de Outubro. Decidimos fazê-lo, porque precisávamos desse tempo para reflectir sobre a nossa vida.
Já fizéramos o caminho, muitas vezes, em grupo, mas sozinhos foi a primeira vez. Chegámos a Viseu de autocarro, às 10h da manhã, e começámos a caminhar até ao próximo albergue. Seguiram-se 7 etapas, de Viseu a Chaves, dormimos sempre em albergues. Durante o percurso não encontrámos peregrinos a pé, só de bicicleta, mesmo assim paravam para conversar connosco. Este facto foi curioso, porque estivemos nos albergues sempre sozinhos, com o nosso ritual diário: Tomar banho, lavar a roupa, confecionar algum alimento que trazíamos, arranjar o colchão onde íamos descansar, deixar mochila quase preparada, e dormir, para levantar ás 6.30h.
O caminho transmite-me uma energia especial e contagiante. Por vezes senti-me extasiada pela natureza deslumbrante! Os caminhos onde só se passa a pé e com dificuldade, convidaram-me a oração! E Rezámos umas vezes em silêncio, noutras  era o Rui que dizia: ainda não rezamos hoje, e então, pedíamos  ao Senhor pela santidade das nossas netas, e de todos, pela paz na nossa família, e em todas, pela nossa conversão, para que a nossa fé aumente cada vez mais, e para que nos livre de todas as tentações do mal.
De seguida dávamos graças pelo meu trabalho, pela coragem para fazer caminho! E quando me deparava com flores que nascem no chão do caminho tão lindas! Divinas!, dava graças também. E dava graças pela forma tão carinhosa, como nos receberam alguns hospitaleiros dos albergues.
Prometemos voltar um dia! Fizemos o percurso sozinhos, mas deixámos muitos amigos! Muito guardámos dentro de nós. De casa tínhamos levado bem pouco,  para não carregar as costas, e trouxemos tanto no interior de nós mesmos!
Viemos mais ricos espiritualmente!
A caminhada continua! 
[Esmeralda Balinha]

Caminha! Caminha em frente!


Quando caminhares através da tempestade
mantém a cabeça erguida
e não tenhas medo do escuro.
No fim da tempestade
existe um céu dourado
e o doce canto de uma cotovia.
Caminha através do vento,
caminha através da chuva.
Mesmo que os teus sonhos sejam esmagados...
Caminha! Caminha em frente!
Com esperança em teu coração:
Tu nunca caminharás sozinho!
[Hino do Liverpool FC]

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Irei por esses montes e ribeiras


Como o veado passaste fugindo
depois de me teres ferido,
saí atrás de Ti clamando,
e não estavas, não estavas lá.
Perguntei aos prados e aos montes
se tinham visto passar
quem mais que a ninguém eu amo
e a quem o sinal aí deixou.
Irei por esses montes e ribeiras
à procura do meu Amado;
não colherei as flores nem temerei as feras,
passarei os fortes e as fronteiras.
[São João da Cruz]