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terça-feira, 7 de julho de 2015

Ecos da Caminhada (III)


QUE FORÇA É ESSA AMIGO ?

Que força é essa amigo, que te põe de bem com os outros e contigo? Sábado de manhã, batem as 8h00 na Igreja do Carmo abafando, por momentos, o chilrear das aves. Aos poucos, pequenos magotes de pessoas aproximam-se da igreja, compondo um grupo de cerca de meia centena de corajosos. Alguém nos recorda que lá do outro lado do globo, perto dos nossos antípodas, há quem precise da nossa solidariedade. O que move gente de uma pequena cidade a ser fraterna com um longínquo país? Que força é essa amigo, que te põe de bem com os outros e contigo? Partimos. O grupo vai-se esticando qual corda que se desenrola. Fintámos Santa Luzia pelo lado das Urselinas. A conversa vai sendo posta em dia com os companheiros da jornada. Alguns olhares pelo canto da vista trazem imagens de belas moradias fazendo jus à conceituada arquitetura portuguesa. A temperatura sobe, notam-se as primeiras manchas de suor nas t-shirts à minha frente. Alguém assume a liderança e fala de uma cruz preta e, aí está ela! Tento situar o meu pensamento há dois, ou três séculos atrás. No imaginário aparecem peregrinos carregados de superstições e medos. Como deveria ser difícil fazer o caminho naquelas épocas. E, eis que de novo sou assolado pelo mesmo pensamento: Que força é essa amigo, que te põe de bem com os outros e contigo? Caminhámos, à direita a encosta verdejante, à esquerda, ao fundo, o azul cintilante do mar, à frente a água cristalina do rio que vai polindo o duro granito. Beleza natural. Ao lado, a Quinta da Boa Viagem, um hino aos solares minhotos. Salta-me à ideia aquela frase bonita que, por vezes, ouço na missa: … fizeste para nós este mundo grande e belo! Sobre a rocha consolámos o estômago e retemperámos forças. O grupo une-se e aí vamos nós. O espetáculo aprimora-se, lindo! Penso nos peregrinos deste caminho, sobretudo os estrangeiros, como descreverão estas paisagens a familiares e amigos? Ah, o cartão das máquinas fotográficas fica sem memória nesta zona! O mercúrio sobe nos termómetros, a dificuldade do percurso aperta um pouco. Nem uma queixa, nem uma lamúria, nada! Olho à minha volta, volto a olhar e capto serenidade, paz, sorrisos da alma. E … Que força é essa amigo, que te põe de bem com os outros e contigo? O caminho desafia. Piso irregular, ramos atravessados, mato e a voz de comando ordena que se aguarda. É preciso unir o grupo. Noto, pela primeira vez, cansaço num petiz. Ouço algures: - força, falta pouco! Começámos a descer. Os santos vão ajudando. Um cachorro manifesta, acerrimamente, o seu descontentamento pela invasão. Nada que vozes meigas das crianças não resolvam. O alcatrão, horror dos peregrinos, aparece. O estio aperta e a água das garrafas sumiu. O ritmo assemelha-se ao cantar do coral das idosas da minha freguesia. Campos e casa visitam-nos. O grupo esfrangalha-se. Avistam-se prédios, vamos caminhando e parece que os vou repelindo, mas não, afinal é uma sensação similar à do poeta que encontrei pelo caminho: «O rio … embora desça a serra parece que vai subindo». Vila Praia de Âncora, 14h00, entra-me nos olhos. Alma cheia, coração feliz e, de repente, passa o filme, desde o início, na pantalha do meu pensamento, legendado: Que força é essa amigo, que te põe de bem com os outros e contigo?

[Guaskari Martins]

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