O Francisco frequentava o
terceiro ano de escolaridade com muito bom aproveitamento. Era um miúdo
admirável! Já vivera razoavelmente mas, actualmente, sofria as consequências da
quase indigência do pai por, no início daquele ano, ter perdido o emprego. Era
um bom trabalhador, mas a oficina fechara.
Andava o miudinho muito triste e
amargurado porque a fome, o frio e a tristeza eram o pão-nosso de cada dia
naquela casa.
Como habitualmente, ao
aproximarem-se as férias do Natal, a professora mandou que os alunos fizessem
uma redacção sobre essa quadra festiva.
O Francisco debruça-se sobre o
papel e, numa letra mais adulta que infantil, intitula a sua composição de
APELO e escreve:
«Menino Jesus: não acredito no
que tenho ouvido dizer a teu respeito, ou seja, que só dás a quem já tem, e
nada dás a quem nada tem! Explico-te porquê: eu sei que são os pais a darem
essas prendas e não tu, que tens mais que fazer; se fosses tu, de certeza que
davas a todos e, se calhar, em primeiro lugar aos mais pobres.»
Sim, eu tenho certeza que davas a
todos e, se calhar, em primeiro lugar aos mais pobres. Sim, eu tenho a certeza
que seria assim, pois nunca te esqueces que também nasceste pobre e pobre
morreste.
«Não venho pedir nada para mim.
Quero lembrar-me que o meu pai está há um ano sem trabalho e precisa de ganhar
dinheiro para nos sustentar. Por isso, não te esqueças de lhe arranjar um
emprego. Eu sei que Natal quer dizer nascimento e, olha, nós também nascemos e,
com certeza, não foi para que morrêssemos já, sem dar testemunho sobre a terra.
Se assim fosse, como é que poderíamos dar os parabéns pelo teu aniversário?! Já
agora podes ficar a saber que eu nasci no mesmo dia: nasci no Natal»
Pouco antes de as férias
começarem, a professora chamou o Francisco e disse-lhe que tinha arranjado
trabalho para o seu pai e, que já poderia começar a trabalhar no princípio de
Janeiro do próximo ano. Foi tal a alegria dele que chorou copiosamente e,
então, passou a andar tão contente, que os pais não sabiam que dizer. No
entanto ele não disse porque é que andava assim.
Na véspera de Natal todos se
deitaram cedo, pois a consoada consistiria em sopa e pão, por o dono da
mercearia, atendendo ao dia que era, ter condescendido em acrescentar ao rol do
livro da dívidas.
O Francisco não adormeceu logo.
Depois de ter verificado que toda a gente estava a dormir, foi colocar o seu
sapatinho à porta do quarto dos pais, com um bilhete dentro.
No dia de Natal, a mãe, que era
sempre a primeira a levantar-se, ao sair do quarto tropeçou no sapato do filho.
Baixou-se, pegou nele, e leu o bilhete: "Pai, a partir de Janeiro vai ter
trabalho. Foi a minha professora que lho arranjou, por causa da minha redacção
ao Menino Jesus. É a nossa prenda de Natal".
Com as lágrimas nos olhos, de
contentamento já se vê, aquele casal entrou, pé ante pé, no quarto do filho. Ao
vê-lo profundamente adormecido e a sorrir, ambos disseram: eis aqui o nosso
Menino Jesus!
[Joaquim dos Santos Marinho]
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