O Apóstolo São João foi realmente
um poeta extraordinário como igual
não houve depois –
nem Dante
nem Blake
nem Lautréamont.
um poeta extraordinário como igual
não houve depois –
nem Dante
nem Blake
nem Lautréamont.
Viu as coisas que são e as que serão
no mais futuro dos tempos, e que resta
a prever, a como –ver, aos repetentes míopes
que somos e não vemos o Dragão
e nem mesmo o besouro?
Viu animais cheios de olhos em volta e por dentro,
glorificando Alguém no trono, semelhante
ao jaspe e à sardônica.
Viu a mulher, sentada na besta escarlate
de sete cabeças e dez chifres
e na fronte da mulher leu a inscrição: Mistério.
Viu o Nome que ninguém conhece
nem saberia inventar, pois se inventou a si mesmo.
Os surrealistas não puderam com ele.
Viu a chave do abismo
que Mallarmé não logrou levar no bolso.
Viu tudo.
Viu principalmente o supertrágico, a explosão nuclear, e nisto me afasto dele.
Não, não gostaria de predizer o fim do mundo,
como sete taças de ouro repletas da ira de Deus
despejando-se sobre a Terra.
Quero ver o mundo começar
a cada 1.º de janeiro
como o jardim começa no areal
pela imaginação do jardineiro.
Desculpe, São João, se meu Apocalipse
é revelação de coisa simples
na linha do possível.
Anuncio uma lâmpada, não Setembro(e nenhuma trombeta)
a clarear o rosto amante:
são dois rostos que, se contemplando,
um no outro se vêem transmutados.
Pressinto uma alegria
miudinha, trivial, embelezando
em plena via pública o passante
mais feio, mais deserto
de bens interiores.
Profetizo manhãs para os que saiba,
haurir o mel, a flor, a cor do céu.
O mar darei a todos, de presente,
junto à praia, e o crepúsculo sinfônico
pulsando sobre os montes. Um vestido
estival, clarocarne, passará,
passarino, aqui, ali, e quantos ritmos
um pisar de mulher irá criando
na pauta de teu dia, meu irmão.
Oráculo paroquial, a meus amigos
e aos amigos de outros ofereço
o doce instante, a trégua entre cuidados,
um brincar de meninos na varanda
que abre para alvíssimos lugares
onde tudo que existe, existe em paz.
E mais não vejo, e calo, que as pequenas
coisas são indizíveis se fruídas
no intenso sentimento de uma vida
(são 20 ou 70 anos?)
limitada e perene em seu minuto
de raiz, de folha dançarina e fruto.
Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro
(1902-1987 – 25 anos depois da sua morte)
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