Era uma vez uma azeitona. Não uma daquelas azeitonas
grandes, carnudas, que se juntam a outras para abrir o apetite antes de uma
refeição ou para juntar prazer a um momento de já boa conversa ou convívio.
Não, esta era uma azeitona pequenina, insignificante, daquelas cuja única
mais-valia é juntar-se a outras congéneres para um dia fazer um bom e perfumado
azeite. Que linda infância e ainda mais alegre juventude teve aquela afortunada
azeitona! O ramo de que fazia parte era bom e seguro, simples, sem vaidades nem
riquezas, de sóbria elegância, sem apertos mas também sem desnecessárias
larguras. À sua volta, outras quatro azeitonas completavam o círculo familiar;
duas maiores lhe deram a vida, duas ainda com ela herdeiras da mesma essência. Como
toda azeitona que se preze de ser útil, também um dia teve que cair do
confortável ramo onde estava. Sair e ser arrancada, certamente as duas coisas
ao mesmo tempo. Já alguém viu a miséria de uma azeitona que ficou no galho até
secar…?! Que tristeza! Levada ao lagar, finalmente se realizava o seu sonho:
ser azeite. É que, como ficou já dito, para mais não servia. Esta azeitona não
podia ser solista num qualquer prato ou travessa, não tinha qualidades para
isso: ou se juntava a um conjunto ou acabaria no nada. Triturada, moída,
extraído o melhor de si, pouco mais deu do que uma minúscula gota: sim,
cheirava a azeite novo, é verdade; a cor verde tinha o seu quê de dourado e
brilhante; era consistente. Em poucas palavras, passou a ser uma saborosa e fragante
gota de puro azeite. Sem mérito próprio, pois, que azeitona escolheu o seu
tronco e as mãos que a trataram até pingar no tarro? Pois bem, a história
daquela azeitona ou, sim, desta nova gota, ainda não terminou porque… quem sabe
dos mil usos a que o azeite pode ser destinado? Eis então mais uma das suas
imprevisíveis sortes. Certo dia, perto da primavera, viajou – com tantas outras
gotas que já não se sentia mais ela mas sim um corpo vivo – até um lugar
bonito. Ouviu muitas palavras – para dizer a verdade, a maior parte nem as
entendeu – e, a um certo ponto, eis que um fio de líquido entrou no vaso…
Líquido ligeiro, fino, rápido se fundiu e misturou com ela e com as outras
gotas. Era perfume, um forte e aromático perfume. Meio inebriada, ainda conseguiu
ouvir mais uma palavra, “crisma”… A sua história estava traçada: doravante
serviria junto com todo o azeite a que estava unida para ungir crianças e
adultos, no batismo e na ordem. A sua vida e consciência estavam
inseparavelmente unidas às outras azeitonas do passado e do presente e por isso
não se esgotou na primeira unção: algo dela ficou na fronte, nas mãos… E algo
dela ficou no todo da ânfora. Só não sabia uma coisa: toda gota de azeite
transformado em crisma tem os dias contados. Intuiu isto numa conversa, em
pedaços dela: “não tarda temos novos óleos, que depressa passou este ano, é
melhor preparar a lâmpada”… Lâmpada, qual lâmpada?! É esse o fim? Sim, é esse o
fim: a chama, o fogo, a luz, diante do sacrário, diante de Deus, na solidão, no
silêncio. Não durou muito, apenas umas horas. Extinguiu-se de noite, na
escuridão, apenas ela ousava quebrar as trevas. Atrás ficaram os anos do
crescimento da árvore, da maturação, de sol e chuva, da trituração do lagar.
Uma azeitona, uma gota de azeite não pertence a si mesma. «O Senhor disse a
Moisés: ‘diz ao povo de Israel que te traga azeite puro de azeitonas esmagadas
para a iluminação; para que arda diante do Senhor da manhã à noite, de geração
em geração’» (Lv 24, 1-5)
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