domingo, 16 de dezembro de 2012

Mas afinal, quem foi São João da Cruz?



Nasceu João de Yepes em Fontiveros, perto de Ávila, Espanha. Seu pai, Gonzalo de Yepes, sendo de nobre família, a tudo renunciou para casar com Catarina Álvares, uma pobre orfã. João de Yepes nasceu, pois, num lar pobre, mas de muito amor. A sua pobreza depressa se transformou em miséria com a morte do pai. A partir de então, Catarina, peregrinando de terra em terra, de feira em feira, acabou por se fixar em Medina del Campo onde o pequeno João foi recolhido num orfanato.
Certo homem rico e conceituado fixou-se nas qualidades de João, dando-lhe possibilidades de estudar, ao mesmo tempo que o empregou no hospital de Medina. Dez anos foi o tempo que o jovem João de Yepes passou a tratar doentes, vítimas de doenças incuráveis, sobretudo a sífilis que então era terrivelmente mortal. Aqui conheceu João as histórias mais inverosímeis do mundo e as dores mais atrozes dos homens.
Na sua juventude foi cobiçado por diversas Ordens Religiosas, e pelo seu benfeitor que pensava nele como capelão do hospital, depois de ordenado sacerdote. Mas aos 21 anos de idade, sem nada dizer a ninguém, João dirigiu-se ao Convento dos Carmelitas onde tomou hábito. Recebeu nesse dia o nome de Frei João de S. Matias. Para João, a escolha da Ordem do Carmo é plenamente justificada: sendo o Carmo a Ordem de Maria e tendo João de Yepes tanto amor à Virgem Nossa Senhora e tendo-o ela livrado em alguns perigos na sua meninice, escolheu servi-la e agradecer-lhe assim.
Estudou em Salamanca e cantou Missa em Medina del Campo. Foi aqui que no ano de 1567 conheceu a Madre Teresa de Jesus, que ficando prendada das suas qualidades e santidade o convida para primeiro Carmelita Descalço e fundador entre os frades do novo estilo de vida que ela mesma havia iniciado entre as freiras.
No Verão e 1568, vestindo já o primeiro hábito de Carmelita Descalço, feito precisamente pela Madre Teresa de Jesus, dirigiu-se a Duruelo onde, durante todo o Verão, foi preparando e transformando uma velha e pobre casa no primeiro convento da nova família do Carmo. No dia 28 de Novembro desse ano, primeiro domingo do Advento, chegaram Frei António de Jesus e Frei José de Cristo que deram oficialmente início à nossa Ordem. A partir deste dia, Frei João de S. Matias passou a chamar-se Frei João da Cruz.
Quando S. Teresa de Jesus foi nomeada priora do convento da Encarnação, em Ávila, pediu a S. João da Cruz que se dirigisse para esta cidade como confessor das freiras deste convento. Aqui permaneceu o nosso Santo durante cinco anos. As pessoas tinham-no por santo, respeitando-o e amando-o como tal. Foi tentado por uma nobre e formosa mulher de quem nunca revelou o nome. Nesta cidade Frei João pintou o seu célebre desenho de Cristo na Cruz, onde o famoso pintor Dali se inspirou para a sua célebre pintura de Cristo morto sobre o mundo a qual intitulou «Cristo de S. João da Cruz». Em Ávila, realizou Frei João, verdadeiros prodígios, o que levou os abulenses a terem por ele verdadeira admiração e profundo respeito.
Os Carmelitas Calçados de Ávila é que não estavam nada contentes com a boa fama e o apreço que o povo tinha por frei João da Cruz e pelos frades da nova família de Carmelitas, chamada dos Descalços, por ele fundada. Decidiram, por fim, pôr cobro à situação. E a melhor forma que encontraram foi a de prender a alma do Carmo Descalço, Frei João da Cruz. Assim o pensaram e assim o fizeram Uma noite, saltam silenciosamente o muro da casa onde vivia, arrombam as portas e prendem Frei João. Levam-no em segredo para o convento de Toledo. Ninguém teve tempo para reagir. Tudo foi feito em tão grande sigilo e com tanta rapidez e discrição que ninguém pôde intervir. S. Teresa escreve ao rei Filipe II, mas como ninguém sabe de nada, Frei João continua na prisão. Os Calçados tentaram fazer por todos os meios, lícitos e ilícitos, que Frei João abandonasse a obra começada. Torturas físicas e psicológicas, belas ofertas ofertas, de poder e de riquezas, até mesmo uma cruz de ouro cravejada de pedras preciosas! Frei João responde: «Quem procura seguir a Cristo pobre, não precisa jóias de ouro».
Durante nove meses, de Dezembro a Agosto, Frei João permanece no cárcere, quase morrendo de frio no Inverno, quase asfixiando de calor no Verão Para comer dão-lhe pão, água e algumas sardinhas. Martirizam o seu corpo com duras disciplinas. Durante mais de meio ano não lhe permitiram mudar ou lavar o hábito. O cárcere é um cubículo tão minúsculo que até mesmo Frei João, que é pequeno de corpo, mal cabe. A 15 de Agosto Frei João pede que lhe deixem celebrar Missa por ser Festa de Nossa Senhora. Indelicada e brutalmente o prior recusa o pedido. É então que Frei João da Cruz aproveitando as liberdades que o novo carcereiro, Frei João de S. Maria, lhe concede, decide fugir. Antes, porém, oferece ao seu carcereiro uma cruz de madeira feita por si, pedindo-lhe perdão de todos os trabalhos que lhe causou. Uma noite de Agosto, correndo os maiores perigos, desconhecendo em absoluto a cidade de Toledo, sem a ajuda de ninguém, debilitado fisicamente, no limite das suas forças, tão magro que as meio apodrecidas tiras de roupa de que se serviu para saltar da janela não rebentaram, fugiu da prisão! Acolheu-se no convento das Carmelitas Descalças que se assustam e se alvoroçam ao vê-lo, pois mais parece um morto que um vivo! Preparam-lhe umas pêras assadas com canela!
Finalmente seguro! Os Calçados procuram-no. Batem às portas do Convento das Descalças mas não encontram Frei João aí bem escondido Toda a tarde as Carmelitas conversam com o santo, escutando enlevadas os poemas que tinha escrito na prisão. Entretanto, as Carmelitas pedem ajuda ao administrador do Hospital que levando Frei João para sua casa, mesmo ao lado do convento onde tinha estado preso, tudo fez durante dois meses para o restabelecer.
Em Outubro de 1578 Frei João deixa Toledo e dirige-se a Almodóvar onde está reunido o Capítulo da Ordem. Aí Frei João é nomeado prior do convento do Calvário, na Andaluzia, onde passou os dez anos seguintes que foram sem dúvida os mais gloriosos e fecundos da sua vida. Os que foram companheiros e confidentes do Santo durante estes 10 anos descobrem-nos a beleza interior e a grandeza excepcional deste homem escolhido por Deus para nosso pai.
Em 1585, sendo prior de Granada, Frei João dirige-se a Portugal, para o Capítulo de Lisboa. Aqui, pela primeira vez, contemplou, S. João da Cruz o mar, que o encantou e atraiu profundamente. Quantos o conheceram em Lisboa ficaram encantados e lhe chamavam santo.
No mês de Junho de 1591, o Capítulo de Madrid deixou-o sem qualquer cargo na Ordem. Frei João havia desafiado o Geral da Ordem, Frei Nicolau Doria, discordando dele e chamando-lhe a atenção sobre algumas situações menos claras do seu governo. Eis que paga a factura da sua ousadia singular. Ainda há mais por onde passar e que sofrer. Frei Diogo Evangelista, noutros tempos repreendido pelo Santo, resolve vingar-se dele difamando-o.
Depois do Capítulo parte Frei João para o convento de La Peñuela. No seu interior leva secreta a tarefa de acabar quanto antes os seus escritos. Na realidade para aí se desloca aguardando que o chamem para embarcar no barco que o levará de Sevilha para as missões do México. É que Frei João  se oferecera para ir como missionário para o México.
Chegou a La Peñuela e prontamente se dedicou aos seus escritos. Mas uma perna se lhe inflamou a tal ponto que a febre se recusou deixá-lo. Era a cruz preparada para o final do caminho que o devia conduzir, não ao México, mas, como ele próprio disse «a outras Índias melhores e mais ricas de tesouros eternos». De La Peñuela levam-no para Úbeda. O carinho e a alegria com que em Úbeda foi recebido pelos frades da comunidade e pelos leigos que conheciam o santo é indescritível. O único que destoou foi Frei Francisco Crisóstomo, o prior, que aproveitava todas as ocasiões para o fazer sofrer, vingando-se, assim, de Frei João que noutros tempos o tinha repreendido
A doença agravou-se. Foram cheios de dores atrozes os últimos dias de Frei João. Depois de uma operação dolorosíssima comentou: «Cortem quanto for preciso, em boa hora e a vontade do meu Senhor Jesus Cristo se faça.»
No dia 7 de Dezembro soube que morreria a 14, por ser Sábado, dia de Nossa Senhora. Durante o dia 13 perguntou insistentemente as horas, dizendo que nesse dia lhe tinha mandado Deus ir cantar Matinas ao Céu. Antes da meia noite, querem os irmãos rezar-lhe as orações dos agonizantes, mas Frei João diz que não faz falta e pede que lhe leiam o Cântico dos Cânticos. Aos primeiros versículos Frei João comenta: «ó que preciosas margaridas tem o céu!». À meia-noite, ouvindo o sino, exclama: «Vou cantar Matinas para o Céu» e adormeceu dizendo: «Nas Tuas mãos Senhor entrego o meu espírito».
Era o dia 14 de Dezembro de 1591, Sábado. Uma voz correndo pela cidade foi gritando que tinha morrido o frade santo do Carmo. O povo, apesar de ser noite dura de tempestade, acorre e força os frades a abrir as portas do convento para venerarem os restos mortais daquele homem a quem todos chamavam santo.

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